Rubrica: On the Record #1

Lana Del Rey, a boneca que já esteve em rehab

Chamar a isto 'Paraíso' é, no mínimo, estranho. A Lana (pelo menos ela) sabe porque o fez, não fosse ela a rainha das cenários (im)possíveis, dos limites (ou a falta deles), dos exageros e da ingenuidade com que os assume. Lá dentro, está uma Lana clemente, que sussurra, que quase pede desculpa, que nos adormece, no bom sentido. Parece o lado B de um vinil, o lado B de Born to Die, que já vendeu mais de 2,5 milhões de exemplares em todo o mundo.  É uma edição deluxe de quem parece que não nasceu para morrer, ou talvez não tão cedo. Pouco meses depois da estreia oficial de Elisabeth Woolridge Grant, «Ride» - o single de apresentação do EP é mais do mesmo. Uma Lana caótica mas pacífica, uma Lana que quer dizer que é louca mas que não há qualquer mal nisso, uma Lana, ainda assim, menos homemade do que no videoclip de «Video Games», o primeiro lançado no Youtube em Janeiro.

O update é evidente. Na capa anterior, aparecia de camisa branca apertada até ao pescoço, agora surge de top creme. Aquela era a tímida, esta é a arrojada. E nem de propósito, entretanto, a marca de roupa internacional H&M pegou em Lana e transformou-a na sua mais recente mascote. Está a usar o cover de «Blue Velvet» dos anos 50 para acompanhar a Lana-modelo, enquanto esta empresta a imagem à Jaguar e ao carrão F-Type. Tem agora uma produção por trás, que percebeu que a Lana pode mesmo ser algo muito rentável. A ideia de estender o álbum de estreia com outras canções que ficaram de fora do alinhamento do trabalho anterior é sempre algo de génio. Colocar Lana em versão paradise é só por si já um eufemismo. Quando a Lana nos chegou aos ouvidos, ela já vinha formatada, tanto pelas cirurgias plásticas (refutadas), como pela voz em tom baixo. Em tempos, contava que, quando ainda era míuda de karaokes ou de pubs de Brooklyn, ninguém lhe ligava nenhuma. O problema estava na voz: estava alta demais. Depois fez-se ouvir com um sussurro obrigado. Cheio de pop barroco, dizem. E um outro tanto de trip-hop e outras coisas alternativas.
  
Despertou para o que faz hoje quando o tio a ensinou a tocar guitarra e foi experimentando nomes artísticos: Sparkle Jump Queen, Phenomena ou Lizzy Grant. Não resultaram, ainda que, na última, ela tivesse um aspecto mais de girl next door, mais propenso a correr bem, sem sobressaltos. Mas não era isso que ela queria. Ou melhor, não queria de todo. Confessou que quando começou a cantar, não tinha intenções de levar as cantorias a sério. Mas que queria ser memorável, isso sim. E conseguiu. Tornou o seu segundo álbum nos dos mais vendidos de 2012 (o primeiro, em 2010, era mesmo um portfólio tosco, até no lettering, de nome Lana Del Ray a.k.a Lizzy Grant) e a música foi considerada uma das melhores do mesmo ano. Foi número um em onze países e ela é um bicho com medo do palco. As actuações ao vivo são duvidosas. Mostra um corpo pouco talhado para aquilo, de quem se segura no microfone só porque decidiu que aquele espaço em frente do tripé é para ser dela até ao fim.

É filha do empresário Rob Grant (precioso no marketing no primeiro álbum), nasceu e cresceu em Nova Iorque, EUA. Está com 26 anos, já foi estudante de metafísica e tem um passado pesado  de dependência de álcool e drogas ou de uma dependência numa pré-adolescência com problemas. As suas letras falam de alguém só, alguém que sabe que os outros não a entendem, porque sempre tiveram uma casa para viver ou um lar para estar. É uma miúda vintage, muito visionária. Escolheu o nome 'Lana Del Rey' porque queria que este fosse capaz de moldar a música desde a sua chegada. Quase que se pode confirmar isto num segundo. Inspirou-se tanto em Britney Spears e em Frank Sinatra, como em Eminem ou em Elvis Presley. Tem o glamour de uma Marilyn Monroe, o caos de uma Amy Winehouse e 'O Padrinho' (1972) e 'Beleza Americana' (1999) constam na lista dos seus filmes favoritos.  

Em entrevista à Vogue Austrália em Outubro último, confessou que já tinha dito tudo o que queria dizer e que, por isso, não sabia se iria trabalhar num novo álbum. Mas tudo isto parece falsa modéstia. A prova está no videoclipe cinematográfico de «Ride». O monólogo de uma Lana motoqueira releva que tem mais para contar, além de poses em marcas de roupa ou carros de luxo. O risco está em saber quando deve deixar de o pisar: "Sempre fui uma menina incomum, a minha mãe dizia que eu tinha uma alma camaleónica. Sem bússola moral que apontasse o norte, sem personalidade fixa. Apenas uma indecisão interior que era tão grande e tão vacilante como o oceano. Acredito na liberdade de uma estrada aberta. Acredito na bondade de estranhos. E quando estou em guerra comigo mesmo, caminho. Simplesmente caminho." **

Born to Die - The Paradise Edition (EP)* foi lançado hoje, dia 12 de Novembro. E  é o motivo para mais uma rubrica do Off. As estórias dos discos, dos seus autores e dos novos sons vão ser contados aqui. E só quando eles quiserem, oficialmente.

1. Ride
2. American
3. Cola (Pussy)
4. Body Electric
5. Blue Velvet
6. Gods & Monsters
7. Yayo
8. Bel Air
9. Burning Desire (apenas na versão exclusiva iTunes)

*A versão standard reeditada inclui os dois CDs do multiplatinado Born to Die e a versão SuperDeluxe acrescenta um terceiro álbum de remisturas, um DVD com videoclips, um vinil de 7 do tema «Blue Velvet» e quatro gravuras.

** I was always an unsual girl, my mother told me I had a chameleon soul. No moral compass pointing due north, no fixed personality. Just an inner indecisiveness that was as wide and as wavering as the ocean. I believe in the freedom of an open road. I believe in the kindness of strangers. And when I'm at a war with myself  - I ride. I just ride." (na versão original)



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