Rubrica:Este é o primeiro riff do resto da tua vida #1


 Lenços, papel e crise

Alguém me disse que estamos em 2012. Ano de revoluções étnicas, convulsões sociais e de crise. Que palavrão este! Crise, algo que transcende os limites da física, algo que significa, entre outras coisas, falta de dinheiro, falta de valores morais, falta de senso, negativismo, depressão, desigualdade social, quase desistência dos valores patrióticos. Enfim, a fonte de todos os males! De facto, a palavra tem mesmo o efeito de devastação intelectual que parece ter, não nos podemos iludir, mas será que a falta de tanta coisa pode mesmo mudar a sociedade ocidental, tal como a conhecemos?


Muito bem, é nesta altura que o leitor se pergunta: “O que faz um texto destes num blog que fala de música? Que tipo idiota!” Acreditem que este pode muito bem ser um parágrafo introdutório, e que a vossa pergunta tem, ainda assim, fundamento, mas que a vossa exclamação, revela que foram fortemente atingidos pela crise, visto que a maioria dos sites que visito têm comentários deste género, em reacção a artigos que na verdade até são bons. A crise é como um mutante, é transversal até às opiniões, e esta nova tendência de lançar “criticazinhas” a tudo e todos, só porque sim, revela que a crise de opiniões está mesmo por toda a parte.

Aprendi que a música não está fechada num dossier, nem devidamente catalogada por “micas e separadores”, faz parte do mundo, das culturas, dos credos, da sociedade. Por isso é que as letras falam de coisas reais e não de furadores, argolas e arquivos. E é nesta perspectiva que a crise da indústria musical pode ser vista como a crise do capitalismo ocidental: é cíclica, é precedida de um momento de fragilidade social, e encerra momentos de grande estabilidade e “pompa”. Associo estes dois mundos, “aparentemente distantes”, curiosamente, por ter adoecido. Não que a gripe tenha um poder alucinogénio, ou algo do género, mas “proibiu-me” de sair para ouvir música ao vivo, “obrigando-me” a ficar fechado. Na impossibilidade de fazer o que gosto remeti-me a “googlar”, em busca de novidades do mundo da música, até que encontrei um artigo que me deixou num estado de introspeção.


A crise económica, dos mercados internacionais, está a influenciar a industria musical.


 “Mais música de dança, menos rock: festivais ingleses atacam a crise em 2013”. Foi este o título que me prendeu a atenção e que me mostrou as reais intenções dos festivais, mundialmente conhecidos, Reeding e Leeds. Ambos apresentaram a ideia de aumentar o número de palcos na edição de 2013, nos quais vão apostar, maioritariamente, em DJ’s. É verdade que a intenção será aumentar o leque de ofertas para os “festivaleiros” e com isso conseguir maior número de receitas, mas preocupa-me que esta tendência venha a generalizar-se para longe de terras de “sua-majestade”, visto que festivais com esta dimensão influenciam as escolhas dos produtores e organizações do resto da europa. Não que seja contra os “disc-jockey” e a música de dança, mas sinto que este tipo de projectos podem trazer muito lucro aos festivais, pois exigem menos custos ao nível de logística e, actualmente, atraem muito mais pessoas do que a chamada “música de guitarras”, que, pessoalmente, me preenche muito mais “as medidas”. Toda esta situação pode comprometer muitas tournées e prejudicar a indústria musical, que, como referia, também enfrenta uma crise.

Veja-se, por exemplo, o caso de Cat Power, que revelou, numa rede social na passada semana, dificuldades financeiras. A digressão europeia da artista esteve em risco, pois até os mais aclamados e reconhecidos artistas do panorama popular vivem dificuldades. Desta feita Chan Marshal, que vê a sua situação agravada por um edema de origem nervosa, optou por “cortar” em elementos cénicos que utiliza em palco para garantir que vai conseguir cumprir a tournée europeia até ao fim. Entre os vários cortes está o curioso gorila, que a banda integrou no espectáculo através de uma projecção muito particular. "A digressão europeia vai em frente. Sem cenários. Dinheiro mal gasto. Adeus gorila". Afirmou a americana de 40 anos, que me deixou mais uma vez pensativo.

Agora dava por mim a tomar um anti-inflamatório, na penumbra da noite, e a pensar que certamente haveria outras pessoas com problemas bem superiores ao meu e que mais tarde ou mais cedo iria melhorar. Por enquanto observava as cordilheiras compostas por lenços de papel que fui desperdiçando ao longo do serão, ao mesmo tempo que concluía que as mutações do vírus da gripe serão afinal muito idênticas às da indústria musical, visto que as correntes, as modas, as gerações e a tecnologia influenciam todo um conjunto de músicos, artistas e consumidores. Talvez ainda não esteja preparado para as mudanças que se operam, mesmo que já tenha nascido muito após a geração “analógica”. Fico apenas com a esperança de que a tecnologia, a economia e arte possam estabelecer uma “balança de três pratos”, em que nenhum pese demasiado em detrimento dos restantes, e que sobretudo todas as opiniões, tal como os antibióticos e o organismo, possam convergir numa solução produtiva e não em discussões disfuncionais, típicas de fóruns online, onde a construção passa para segundo plano e a destruição toma um lugar dominante.


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