Menina, Moça e Mulher. Sempre Capaz


Capicua
Capicua
Optimus Discos (2012)
7/10


Ana Fernandes é licenciada em Sociologia e tem um doutoramento em Geografia Humana. A par da vida académica, gravou um disco de hip-hop. Nestas lides é conhecida como Capicua. Pode ser um nome novo para muitos, mas para Capicua, o hip-hop não é certamente coisa nova. Foi por volta dos 15 anos que teve o seu primeiro contacto com a cultura hip-hop, mais propriamente com o graffiti. Do graffiti à música foram 10 anos. Dois eps (colectivos) e uma mixtape (a solo) depois, a MC que era verde, quis mostrar-se capaz (e completa) e começou a fazer planos para um disco maduro, uma coisa mais à séria. Assim surge este álbum homónimo, num registo mais autobiográfico, que pretende reduzir a distância entre a Ana e a Capicua.
A MC natural do Porto marca pela diferença. Assume à partida que teve uma infância e adolescência felizes, contrastando com alguns rappers que falam sobre infâncias traumáticas e como é crescer em bairros sociais. Assume-se pelo que é, uma das poucas mulheres a fazer hip-hop em Portugal e não esconde esse lado mais feminino e sensível, muito pelo contrário.

Capicua começa por nos dizer em «Mão Cheia», através de um texto de Almada Negreiros, que as palavras não são novas, mas que os seus sentidos podem ser reinventados. E é isso mesmo que vemos nas faixas seguintes: a mestria das suas metáforas e analogias aguçadas. «1º Dia», «Hora Certa», «Judas e Dalilas», «A Volta» e «Luas» são canções que têm um cunho mais pessoal e relatam experiências de vida. Infância, fases da vida, amores, desamores, amizades, inimizades, ambições, lutas, são alguns dos temas que transparecem nestas vivências relatadas por entre versos.
Ana cresceu a ouvir cantores como Zeca Afonso e José Mário Branco. A presença da música de intervenção na sua vida fez com que quisesse fazê-la um pouco sua e ao seu jeito, com a sua pronúncia do norte. A voz revolucionária de Capicua faz-se ouvir em músicas como «Os Heróis», «Terapia de grupo» e «Medo do Medo». Esta última é a terceira faixa do disco e a sua preferida. Fala da perda de orgulho nacional, de angústia, agonia e insegurança. Contudo tenta passar uma mensagem de força e coragem. «Nós temos direito a um futuro» é a frase que marca «Os Heróis».
«Casa do Campo» é talvez a música mais especial de todo o disco. É a única que invoca ambições para o futuro, a um nível mais pessoal. Inspirada em Elis Regina, Capicua despe-se de pretensões e expõe a simplicidade do futuro que deseja. «Um filho, um livro, um disco, uma árvore, dois amigos,
dois umbigos unidos num chão de mármore». Uma tendência cíclica, uma vez que gerações anteriores sonhavam com uma casa na cidade. Do campo para a cidade, da cidade para o campo.
«Maria Capaz» é o primeiro single do álbum e a afirmação de Capicua como uma MC para quem «o máximo é o mínimo».

Mas não é só a letra que faz uma canção. Para os beats do álbum, Ana contou com colaboradores de luxo como D-One, Ruas, Sam the Kid, Xeg e Nelassassin. É um bom disco de apresentação, um cartão de visita do hip-hop feminino, mas também de Capicua no passado, no presente e no futuro. A prova de que o hip-hop pode aparentar ser um mundo de homens, mas que a colaboração entre ambos os géneros dá frutos.

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