Rubrica: Este é o primeiro riff do resto da tua vida #4

Portugal  português

Em nove séculos de história Portugal nunca tinha vivido um momento tão dramático quanto o actual. Não, não vos falo da crise económica nem das mais recentes medidas de austeridade, falo-vos sim do “falecimento patriótico” que leva a maioria dos portugueses a renegar o próprio país sem que tenham de se levantar dos seus velhos sofás.


As bandeiras gastronómicas do nosso país, como o Vinho do Porto ou a indústria conserveira, são agora exploradas por outros países, o sol, que nos brinda o ano inteiro, é visto pelos parceiros europeus como uma forma de “ganhar bronze”. Até a cultura parece estar a morrer, visto que as tradições são vistas “como coisas do passado” e a arte não passa de uma coisa “gira”.


Posso não ter nascido nos anos 60, mas decerto que registei ao longo dos anos relatos de quem por essa altura nasceu e recorda com saudade os tempos do “Festival Eurovisão da Canção”, um fenómeno dos anos 70 e 80. O festival veio a decair a partir de 96 depois dos êxitos de Sara Tavares, com “Chamar a Música” e de Lúcia Moniz, com “O meu coração não tem cor”, não terem tido seguidores à altura.


Reveja a atuação de Sara Tavares em 1994


No próximo ano, e segundo a RTP, Portugal não vai participar no festival por “razões económicas”, situação que já se adivinhava há algum tempo e que nos deixa a sensação de que a participação deste ano pode mesmo ter sido a última. Para muitos este é até um “mal necessário”, visto que este evento era visto por muitos como um “desperdício de dinheiro”, mas não deixo de registar a minha consideração para com esta manifestação musical e cultural europeia que levou para lá das fronteiras vozes históricas, da música ligeira nacional, como as de Simone, Fernando Tordo, Carlos do Carmo ou Dulce Pontes.

Mas este exemplo não morre só e Portugal é visto pela maioria como “um país velho e de velhos”, visão que não está completamente errada, é verdade, mas que não ajuda em nada os milhões de jovens, que procuram um rumo, a identificarem-se com o seu país.


No seguimento da luta contra este “falecimento patriótico” têm-se formado grupos, associações e promotoras que têm tentado integrar manifestações culturais e artísticas em meios rurais. Só na última década o nosso país viu nascer perto de 20 novos festivais de verão. Somam-se de ano para ano e preenchem os três meses da época balnear desde o Minho até às ilhas da Madeira e dos Açores. A maioria aposta em novos universos musicais fora da comum cultura Pop/Rock e nos quais a WorldMusic faz-se ouvir e viver por recintos relvados e parques de campismo.


De facto reparo que o nosso pequeno país é cada vez mais “festivaleiro” e arrisco-me a dizer que a “onda” dos festivais promovidos em zonas rurais confere uma experiência muito mais enriquecedora do que qualquer outro festival de grandes dimensões.


Exemplo desta realidade é o festival Bons Sons, que desde 2006 “invade” gentilmente a aldeia de Cem Soldos, em Tomar, e demonstra o que de mais puro o nosso país tem para oferecer. Visitei pela primeira vez o certame este ano e pude constatar que a “SCOCS”, a associação cultural que criou o festival, tem feito um enorme trabalho. Nunca tinha visto algo idêntico, uma aldeia repleta de música, exposições, mostras gastronómicas, convívio, centenas de jovens e muito espirito de entreajuda e camaradagem. O que me permitiu passar cinco dias quase perfeitos, não fosse a grande distância do parque de campismo até ao recinto.


Para todos os gostos, o cartaz, puramente nacional, combinou o rock mais experimental dos Linda Martini e dos PAUS com o rock “dançavel” dos Capitão Fausto. Deu ainda a oportunidade aos visitantes de pode assistir a Jazz com os incríveis Maria João & Mário Laginha e aos grandes êxitos da música popular portuguesa com o “mítico” Vitorino. Impressionantes, ainda, os projectos de fusão com os A Naifa, os Pé na Terra, os ATMA e os Xícara, ao lado dos enternecedores: Mário Zambujo, Márcia, Aldina Duarte, Filho da Mãe e Nuno Prata.


Um "mix" de imagens captadas na edição deste ano do festival Bons Sons


O slogan «Vem viver a aldeia», tantas vezes repetido na página do facebook do festival, faz todo o sentido, pois quem visita o Bons Sons não vai só poder ver e ouvir música, mas também poder partilhá-la com toda a aldeia, que respira vida e convida a entrar mais alguém para beber um copo, respirar ar puro e, de facto, viver o verdadeiro espírito de uma aldeia. Para quem visitar o festival em 2014 aconselho a sopa da pedra seguida de uma “talhada” de melão, que tantas vezes me socorreu as necessidades nutritivas que passei, não fosse a minha alimentação mantida à base do típico “menu de campista”.

Entretanto, já lá vão três meses desde que vi Cem Soldos pela última vez.A aldeia deve agora sentir-se mais só sem as centenas de “festivaleiros” e curiosos que iam aparecendo por lá em Agosto. Deve agora reflectir as diferenças climatéricas do “calor acompanhado” e do “frio solitário”. Em 2014 mata-se a saudade - tão portuguesa – de um festival que só se realiza de dois em dois anos. Quanto ao festival da canção o mais certo é ouvirmos um até sempre da tradicional voz de Eulálio Clímaco.


Confira aqui o cartaz completo da última edição do Bons Sons:



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