Capicua: a crítica ao álbum homónimo


Capicua
Capicua
Optimus Discos; 2012

Nota: 7/10




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Capicua apresenta-se como um álbum bastante fluído. Todos os 14 temas que constituem a obra da mc portuense interligam bem entre si, quer a nível de temáticas, quer a nível de instrumentais. Quem já conhece Capicua, das participações que teve em mixtapes anteriores a este primeiro registo de longa duração, sabe que a mesma investe bastante no conteúdo lírico das suas rimas e que sabe trabalhar a métrica dos textos que escreve como muitos poucos o fazem em Portugal. Capicua é, também, forte nos seus jogos de palavras e no sentido duplo que consegue dar às mensagens que transmite nos seus temas, conseguindo por muitas vezes aproveitar uma mesma frase, reorganizando as palavras nela incumbidas, reformulando por completo a ideia inicial.

E é mesmo esse dom da palavra que vem homenageado no primeiro tema do álbum. «Mão Cheia» é nada mais nada menos, que um texto do poeta Almada Negreiros recitado na voz de Tiago Barbosa, onde é realçada a importância da evolução e do reaproveitamento da palavra. Segue-se «1º Dia», tema através do qual a artista se apresenta e que serve quase como cartão de visita ao ouvinte. Quem vê o programa «Clube da Palavra», no canal Q, decerto se familiarizará com a música que se segue: «Medo do Medo» joga com a métrica de forma muito sóbria e agradável na cadência das palavras, retratando os medos que assombram, não só a artista, mas também a sociedade em geral.

Capicua reflete no álbum alguns problemas sociais derivados da situação económica portuguesa. Em «Os Heróis», a artista retrata o estado atual do mercado de trabalho e as dificuldades em arranjar emprego. «Terapia de Grupo», serve de alerta para a necessidade de não baixar os braços e não menosprezar Portugal e a alma Lusitana. Este último tema, infelizmente, possui uma discrepância de volumes entre a voz e o sample principal que o acompanha, sobrepondo-se muitas vezes à parte vocal, impossibilitando a inteligibilidade do que é dito por Capicua.

Em «Sagitário» a artista demonstra o seu potencial na vertente da narração de histórias, o storytelling. A canção fala sobre uma amizade entre um rapaz e um cavalo e uma consequente separação, executando uma metáfora com o signo astrológico do Zodíaco, representado pela figura mitológica grega, o Centauro – personagem metade homem, metade cavalo.

«Maria Capaz» é o primeiro single do álbum e conta com a produção de um dos ícones do hip hop português, Sam The Kid. Esta música representa a vertente mais ofensiva da rapper portuense, exteriorizando os seus sentimentos em jeito de punch line. Também no tema «Judas & Dalilas» se evidencia um carácter de ataque, mas desta vez mais generalizado, dirigido a “cobras e traidores”. A canção conta com a participação do mc de Abrantes, Nerve.

Destaque ainda para «Luas», tema através do qual Capicua estabelece um paralelismo entre o satélite natural e a sua pessoa, comparando as fases da lua, com as diferentes fases do seu ser. “Quero uma casa no campo como Elis Regina” introduz um dos temas mais interessantes de todo o álbum, «Casa No Campo», no qual a artista descreve o seu local de sonho e todas as coisas boas que ambiciona um dia ter. “Um filho, um livro, um disco, uma árvore, dois amigos, dois umbigos unidos num chão de mármore, quatro tempos, quatro ventos dentro de quatro paredes, debaixo de um céu de estrelas, a nossa cama de rede”, é uma das passagens da música, entre muitas, que melhor descreve a paz, o sossego e a vida pacata que Capicua valoriza. Não faltam ao tema passagens na voz de Elis Regina, enriquecendo e fortalecendo a mensagem que a artista quer transmitir. «Domingo» fala-nos sobre o dia da semana que Capicua menos aprecia, criticando toda a inércia e o sedentarismo a ele associados.

O álbum encerra com «A Última», que, em jeito de despedida, desvenda os últimos pormenores sobre a personalidade de Capicua. A artista deixa bem claras as suas convicções políticas e ideológicas e a vontade de um dia poder vir a viajar como um músico e partilhar o palco com uma banda. Capicua não poupa nas referências a grandes mcs femininas como DIAMS e Speech Debelle, quando realça a importância de o rap feminino ser valorizado, concluindo com a frase: “sou uma num milhão e tenho em ambição a missão de servir de inspiração para o futuro”.

Todo este álbum é uma viagem na mente de Ana (Capicua) e, mesmo por conter uma componente tão pessoal, leva-nos a conhecer um pouco mais do seu carácter, das suas ideias e determinações. Capicua, é assim, um dos fortes candidatos à lista dos melhores álbuns portugueses do ano.

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