E se a música deles também fosse made in Camões?

"Como vi dançar no Zimbabué/Quero também contigo gingar/Uma dança nova/Mistura de Semba com Samba/De Mambo com Rumba/Tua mão da minha/E a minha na tua". A letra de 'Balancê', música retirada do álbum homónimo de Sara Tavares de 2005, faria ainda vez mais sentido se tivesse aparecido nos anos 90. O vaivém das gentes e dos ritmos começou com o 'Nadar' dos Black Company ou com o 'Dançar no Huambo' dos Kussondolola, e o fenómeno ou o processo mais que natural continou com Sam The Kid a samplar Carlos do Carmo ou com os Buraka Som Sistema a pegar num kuduro de Luanda.
Se o fado nasceu de uma mistura de africanidade e de outros sons vindos da terra de Vera Cruz, as mornas de Celina Pereira pouco se afastam de uma Mariza em «Meu Fado Meu». Se o Duo Ouro Negro, nos anos 60, foi pioneiro na mistura de músicas do mundo com semba, folk, samba e outros ritmos tradicionais numa só faixa, Caetano Veloso foi o responsável pelo movimento Tropicália, com Chico Buarque a reboque e Carlos Paredes na guitarra portuguesa, com «Verdes Anos».
Mas se as influências do que antigamente se fazia na música portuguesa ou na música lusfónona (para evitar constrangimentos ou definições deficitárias) estão nas opressões criadas por ditaduras dos anos 60 ou por movimentos libertadores posteriores, já a tocar nos anos 80, representadas por José Afonso com 'Milho Verde' ou por um revivalismo de uns Heróis do Mar e de António Variações, hoje as coisas não têm uma figura muito diferente.
Depois dos pioneiros Tito Paris, Danny Silva ou o incontornável Barceló de Carvalho (vulgo Bonga), em Angola, o hip-hop continua a ser uma forma de música de intervenção, assim como o kuduro o é em estado puro, não sendo sequer um estilo de música. Ao lado ocidente (diga-se, europeu), este chegou sem este lado combativo urbano e foi encarado como um ritmo, de forma muito simples como esta definição, capaz de moldar a música lusófona e aquilo que ela é capaz de incorporar.
Com descargas pelo mundo inteiro, atravessando o dubstep, o rap, o reggae, nos anos 90, a música lusófona passou a ser uma música de intervenção. Os Kussondolola faziam desaparecer a postura monopolista do pop-rock de Rui Veloso, GNR ou Xutos e Pontapés, abrindo espaço para que Cool Hipnoise e Mind Da Gap saíssem dos seus subúrbios e entrassem em listas de favoritos ou em Top+.
"Adoro quando te deixas levar assim/Fechas os olhos e danças só para mim/Uma dança tua/Mistura de não vem que não tem/Com um sorriso porém que me diz que o teu desdém/É só a manhã de alguém/que diz que vai mas que vem/Me engana que eu gosto". Mas a letra de Sara Tavares continua a querer dizer-nos que a influência entre os continentes lusófonos ainda não é tão livre quanto pode parecer. A própria Sara tem a holandesa World Connection como sua editora, assim como a sua amiga Mariza – uma das artistas portuguesas (nascida em Moçambique) mais bem conceituadas do mundo – que também é representada pela britânica Universal Music. Em poucas palavras, não se aposta verdadeiramente em música interna em Portugal. São os outros que precisam de fazer o nosso trabalho de casa. Carlos do Carmo diz que continuamos complexados. Que os efeitos de uma era colonial ainda não desapareceram e que, até que assim seja, a música vai ser o que é: cheia de Melo D, Pac Man, António Zambujos ou Orelha Negra, mais ou menos reconhecidos, seja lá de onde for que vem a inspiração. Ou de um Bob Marley de Nile Mille ou de um Seu Jorge, do Rio de Janeiro.
No entretanto, a história repete-se. O som português de hoje é um som de protesto pelo ontem e revolução pelo amanhã. Os antigos dizem que a música de África é muito boa, mas é um regresso ao passado. Mas as novas gerações começam a deixar de sentir isso da mesma forma. E a Sara continua a ter razão. Quem acredita que a música portuguesa não se balança, então é melhor nem tentar perceber se gosta do que ouve dela. No mundo inteiro. "Balancê ye/Balança ya/ Swing para lá/Swing para cá ye/Swing no pé/Senão chega p´ra lá ye"


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