Assim como Zeca Afonso misturou à sua música de intervenção
toda a influência dos ritmos africanos que adquiriu na sua estadia em Moçambique
e Angola, o hip hop português sofreu também ele uma miscigenação com a cultura
africana. Corria o ano de 2000 quando eu, agarrado ao clássico The Marshall
Mathers Lp do Eminem, dei de caras com o hip hop português a sério
pela primeira vez. Já tinha em tempos escutado alguns êxitos radiofónicos de
rap como o «Nadar» dos Black Company e alguns temas do 3º Capítulo dos
Da Weasel. Mas foi o álbum Introdução a Uma Vida Banal - O Manual,
que me atrelou ao hip hop nacional durante largos anos.
Os Da Weasel levaram-me a mergulhar a fundo no hip hop
lusitano e, consequentemente, fui descobrindo artistas como Mind da Gap, Sam
The Kid e Chullage, entre outros. Este último, em especial, conseguiu fazer
algo que até hoje é, a meu ver, um verdadeiro exercício de mistura entre a
cultura portuguesa e a cabo-verdiana. Ao ouvir pela primeira vez o Rapresálias, constatei que Chullage
manteve a preocupação não só de fazer a sua música, mas também de a cantar em
ambos os idiomas de forma a representar ao máximo as duas culturas. Ao escutar
atentamente o álbum é
impossível ser-se português e não sentir a curiosidade pela cultura
cabo-verdiana e vice-versa. O próprio levanta o véu sobre vários costumes e
tradições de Cabo Verde, nas suas letras, e ainda inclui, em alguns temas,
instrumentos e ritmos africanos. No disco que se seguiu, Chullage conseguiu
frisar ainda mais essa necessidade de cruzamento. Rapensar, apesar
de não ser o melhor álbum do artista em questão, é aquele que, na minha opinião,
melhor retrata toda esta vontade de Chullage atingir um ponto de fusão entre a
música portuguesa e a cabo-verdiana.
Talvez esta seja uma das formas de definir o conceito de
música portuguesa: uma mistura de influências adquiridas pelas diversas interferências
que sofremos na nossa cultura, derivadas da nossa vontade de descobrir novas
terras, novos povos, novas vivências e, consequentemente, nova música.
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