Nem tudo acabou em 69


A Fnac do Colombo estava cheia, mais do que alguns concertos, muitos disseram. O lançamento do livro E tudo acabou em 69 sobre os Filarmónica Fraude não deixou cadeiras vazias. O livro, editado pela Guerra e Paz, é uma tentativa de contribuir para a história da música portuguesa, que está muito pouco documentada, e dá a conhecer uma banda que para muitos é uma incógnita, mas que marcou a música que é feita em Portugal no presente. “Cresci a ler jornais e a sensação que tinha era que a história da música portuguesa mudava em 1980. Antes apenas existia fado e música de intervenção”, explica o autor Rui Miguel Abreu, para quem o livro se escreveu praticamente sozinho, fruto de uma série de conversas.

Num ambiente descontraído, entre a família, os amigos e os fãs, os quatro membros presentes recordaram bons momentos. “Não éramos grandes executantes, mas éramos grandes compositores” assume António Pinho, que mais tarde integrou a Banda do Casaco. A capacidade única que tinham para compor levou-os a descobrir as raízes e a aproveitar-se do Portugal rural. “O facto de sermos provincianos e atrasados faz com que tenhamos uma forte tradição oral”, conta Luís Linhares entre risos. “Percebemos isso quando uma vez acampámos num sítio, que tinha um sinal a dizer “No Camping”, mas nós somos portugueses resolvemos lá ficar. Uns alemães juntaram-se a nós e à noite resolvemos tocar canções populares. Nós tocamos a «Ó rama ó que linda rama» e eles a «Hey Jude»”, completa.

O facto de serem de Tomar e provincianos, como se intitulam, fez com que aplicassem o que “importavam” da música lá de fora para a maneira de estar em Portugal. Já o nome surgiu de uma espécie de antagonismo. “Sempre me fez confusão o facto de uma filarmónica ser um conjunto e ser uma palavra no singular, e queria dar a volta a isso. Depois de muitas experiências chegámos ao nome Fraude, que gerou um consenso imediato, uma vez que completa o conceito, destruindo-o simultaneamente.”, explica António Pinho, que se continha, a muito custo, para não revelar as histórias do livro. 

A carreira dos Filarmónica Fraude foi curta. Ao ouvir agora o que fizeram então, reconhecem uma forte ingenuidade e inconsciência, assim como a diferença nas condições de antes e agora. Tal como muitos grupos da altura viram a sua sentença ser ditada pelo serviço militar obrigatório.

Mas nem tudo acabou em 69. Ficaram as histórias, as memórias, as peripécias, as gargalhadas e as saudades. Uma juventude de outros tempos agora relatada num livro que “não é só a nossa música, é a nossa época”, como viria a afirmar Luís Linhares mais à frente. Para acompanhar o livro, os Filarmónica Fraude gravaram um EP, no qual fizeram uso da tecnologia para aperfeiçoar a música de sempre.

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