Hip-hop em discussão


28 de Fevereiro, Fnac de Alfragide. Uma noite dedicada ao número 15. 15 anos da Fnac que serviram de mote para passar em revista os últimos 15 anos da cultura hip-hop em Portugal.

Rui Miguel Abreu, jornalista, autor do Rimas e Batidas, um programa de rádio dedicado ao hip-hop maioritariamente nacional mas também internacional juntou-se a NBC e Nuno Serrão, ou DJ Kwan, dos Mundo Complexo, cujas carreiras começaram no final dos anos 90, e também a Vanessa Cardoso, jornalista do site H2tuga, que é considerado o órgão oficioso de divulgação de hip-hop em Portugal, numa conversa sobre o passado, presente e futuro deste género.

O disco RAPública, lançado em 1994, marcou o início desta cultura no nosso país, uma cultura que, no arranque, “trazia a mensagem do outro lado do oceano”, como disse NBC. Estreou-se com os Filhos de um Deus Menor em 1999, grupo cujo único disco entregou em mão a Rui Miguel Abreu no Lux, como ambos recordam.

“Na altura dava-se a cara pelos projectos, isso dava logo uma outra credibilidade, o gesto de olhar a pessoa olhos nos olhos e dizer: aqui está o meu trabalho”. O rapper lamenta que parte desse espírito de luta se tenha perdido e que hoje não se faça um trabalho tão completo no que toca à construção da mensagem que se pretende passar, uma vez que basta mandar as músicas para a net.

A sociedade sofreu mudanças, o hip-hop ultrapassou as vendas da música country e com isso vieram aspectos bons e maus. “O Hip-hop deixou de ser mais ligado ao protesto e à reivindicação e apareceram bandas cuja mensagem era fazer as pessoas abanar o rabo”, explica Nuno Serrão. “Mas depois ao mesmo tempo começámos a ter um programa diário de hip-hop em Portugal e também nomes ligados a esta área nos grandes festivais” . Contudo, o hip-hop falhou em singrar no mainstream, uma questão puramente cultural, já que os portugueses estão muito enraizados no rock e não há muito espaço para uma música que é “muito pesada para o ouvido”.

O hip-hop português já não é regional. Começou em Lisboa, mas, quando foi pedido aos oradores que enumerassem projectos novos que os entusiasmassem, a escolha recaiu sobre os Tribruto, do Algarve, que tem boas letras, bons instrumentais e que sabem fazer uso dos meios visuais existentes hoje em dia.

As inovações tecnológicas trouxeram um hip-hop bem produzido, mas também um hip-hop menos auto-crítico, segundo Rui Miguel Abreu. “Quando se gravava em pistas tinha-se um limite de 16, pelo que era necessário tomar decisões. Mas agora, gravando em computador, o número de pistas é ilimitado”. Os elementos visuais ilustram a música que é feita, mas a sua crescente popularidade tem vindo a inverter as prioridades. “As pessoas antes tinham como propósito gravar o disco e os trocos que sobravam ficavam para o vídeo, mas agora a preocupação é o vídeo”, completa. Já NBC “culpa” a nova cena hipster, em que a imagem vende mais do que a própria música. “Quando fui lançar o meu single na rádio pediram-me para voltar quando tivesse o vídeo”. 

Esta primazia do vídeo acontece porque a internet tem vindo, cada vez mais, a crescer como meio de comunicação. Prova disso são as crescentes visitas ao site do H2tuga, que celebra este ano o seu décimo aniversário. “Os jornais perdem suplementos, as revistas perdem páginas. Há pouco espaço na comunicação social para falar de música, principalmente de hip-hop. Como se não bastasse, as pessoas lêem cada vez mais online” afirma Vanessa Cardoso.

Quanto ao futuro do hip-hop, os quatro acreditam que passa por uma reacção, uma vez que a música tem o poder de mudar o mundo. “Nos últimos tempos voltei a 1999, quando ouvia a «Fight the power» em casa. Foi algo que me mudou e os meus trabalhos vão ser reflexo disso, A música pode de facto mudar o mundo, as pessoas têm é de saber desacorrentar-se” conta NBC, que está prestes a lançar o EP Epidemia. Já para Nuno Serrão, é inevitável pensar em política e reagir, mesmo não sendo um artista de intervenção. “Está na altura de falar menos de amor e mais da realidade”. 
 

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