Rui Miguel Abreu, jornalista, autor do Rimas e Batidas, um programa de rádio dedicado ao hip-hop maioritariamente nacional mas também internacional juntou-se a NBC e Nuno Serrão, ou DJ Kwan, dos Mundo Complexo, cujas carreiras começaram no final dos anos 90, e também a Vanessa Cardoso, jornalista do site H2tuga, que é considerado o órgão oficioso de divulgação de hip-hop em Portugal, numa conversa sobre o passado, presente e futuro deste género.
O disco RAPública, lançado em 1994, marcou o início desta cultura no nosso país, uma cultura que, no arranque, “trazia a mensagem do outro lado do oceano”, como disse NBC. Estreou-se com os Filhos de um Deus Menor em 1999, grupo cujo único disco entregou em mão a Rui Miguel Abreu no Lux, como ambos recordam.
“Na altura dava-se a cara pelos projectos, isso dava logo uma outra credibilidade, o gesto de olhar a pessoa olhos nos olhos e dizer: aqui está o meu trabalho”. O rapper lamenta que parte desse espírito de luta se tenha perdido e que hoje não se faça um trabalho tão completo no que toca à construção da mensagem que se pretende passar, uma vez que basta mandar as músicas para a net.
A sociedade sofreu mudanças, o hip-hop ultrapassou as vendas da música country e com isso vieram aspectos bons e maus. “O Hip-hop deixou de ser mais ligado ao protesto e à reivindicação e apareceram bandas cuja mensagem era fazer as pessoas abanar o rabo”, explica Nuno Serrão. “Mas depois ao mesmo tempo começámos a ter um programa diário de hip-hop em Portugal e também nomes ligados a esta área nos grandes festivais” . Contudo, o hip-hop falhou em singrar no mainstream, uma questão puramente cultural, já que os portugueses estão muito enraizados no rock e não há muito espaço para uma música que é “muito pesada para o ouvido”.
O hip-hop português já não é regional. Começou em Lisboa, mas, quando foi pedido aos oradores que enumerassem projectos novos que os entusiasmassem, a escolha recaiu sobre os Tribruto, do Algarve, que tem boas letras, bons instrumentais e que sabem fazer uso dos meios visuais existentes hoje em dia.
As inovações tecnológicas trouxeram um hip-hop bem produzido, mas também um hip-hop menos auto-crítico, segundo Rui Miguel Abreu. “Quando se gravava em pistas tinha-se um limite de 16, pelo que era necessário tomar decisões. Mas agora, gravando em computador, o número de pistas é ilimitado”. Os elementos visuais ilustram a música que é feita, mas a sua crescente popularidade tem vindo a inverter as prioridades. “As pessoas antes tinham como propósito gravar o disco e os trocos que sobravam ficavam para o vídeo, mas agora a preocupação é o vídeo”, completa. Já NBC “culpa” a nova cena hipster, em que a imagem vende mais do que a própria música. “Quando fui lançar o meu single na rádio pediram-me para voltar quando tivesse o vídeo”.
Esta primazia do vídeo acontece porque a internet tem vindo, cada vez mais, a crescer como meio de comunicação. Prova disso são as crescentes visitas ao site do H2tuga, que celebra este ano o seu décimo aniversário. “Os jornais perdem suplementos, as revistas perdem páginas. Há pouco espaço na comunicação social para falar de música, principalmente de hip-hop. Como se não bastasse, as pessoas lêem cada vez mais online” afirma Vanessa Cardoso.
Quanto ao futuro do hip-hop, os quatro acreditam que passa por uma reacção, uma vez que a música tem o poder de mudar o mundo. “Nos últimos tempos voltei a 1999, quando ouvia a «Fight the power» em casa. Foi algo que me mudou e os meus trabalhos vão ser reflexo disso, A música pode de facto mudar o mundo, as pessoas têm é de saber desacorrentar-se” conta NBC, que está prestes a lançar o EP Epidemia. Já para Nuno Serrão, é inevitável pensar em política e reagir, mesmo não sendo um artista de intervenção. “Está na altura de falar menos de amor e mais da realidade”.
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